A área de Educação Física no Brasil, tradicionalmente, sempre fez parte das ciências biológicas e, conseqüentemente, sempre priorizou as explicações para sua atuação nas características anatômicas ou nas manifestações fisiológicas ou bioquímicas do organismo humano. Não é nossa intenção analisar os fatores históricos que fizeram com que a área de Educação Física tivesse essa quase exclusividade biológica em seus argumentos. Muito menos pretendemos negar a importância de estudos e pesquisas provindos das Ciências Biológicas para a Educação Física. Entendemos que eles são necessários ao debate da área acadêmica de Educação Física, mas, por si só, não conseguem apreender a área como um fenômeno com implicações sociais, políticas e culturais.
Pretendemos, a partir de avanços de estudos oriundos das ciências humanas nos últimos anos, considerar a Educação Física como um fenômeno sociocultural. Pensar a Educação Física a partir desse referencial traz, necessariamente, a discussão do conceito de “cultura”, para uma área em que isso era até há pouco tempo inexistente. Os currículos dos cursos de graduação de Educação Física somente há poucos anos vêm incluindo disciplinas próprias das ciências humanas – como Sociologia, Antropologia e outras – e isso parece estar sendo útil para a ampliação da discussão na área.As publicações – artigos em periódicos e livros – que utilizam como base de análise de Educação Física conhecimentos das ciências humanas têm aumentado nos últimos vinte anos. Não causa mais polêmica afirmar que a Educação Física lida com conteúdos culturais e pode ser apreendida a partir das ciências humanas.
As mudanças no conceito de corpo – a concepção biológica e padronizada
Talvez uma das maiores contribuições das ciências humanas para o estudo da Educação Física tenha sido a revisão e ampliação do conceito de corpo.É por demais sabido que a área de Educação Física no Brasil, originária dos conhecimentos médicos higienistas do século 19, foi influenciada de forma determinante por uma visão de corpo biológica, médica, higiênica e eugênica.Essa concepção naturalista atravessou praticamente todo o século 20 – com variações específicas em cada momento histórico –, estando ainda hoje presente em currículos de faculdades, publicações e no próprio imaginário social da área.
A conseqüência dessa exclusividade biológica na consideração do corpo pela Educação Física parece ter sido a construção de um conceito de intervenção pedagógica como um processo somente de fora para dentro no ser humano, que atingisse apenas sua dimensão física, como se ela existisse independentemente de uma totalidade, desconsiderando, portanto, o contexto sociocultural onde esse ser humano está inserido.
As concepções de Educação Física como sinônimas de aptidão física, a opção por metodologias esportivas tecnicistas, o conceito biológico de saúde utilizado pela área durante décadas, apenas refletem a noção mais geral do ser humano como entidade exclusivamente biológica, noção essaque somente nesses últimos anos começa a ser revista e ampliada.Essas concepções parecem ter sido determinantes para a tendência à padronização da prática
de Educação Física, sobretudo a escolar. Segundo essa lógica, se todos os seres humanos possuem o mesmo corpo – visto exclusivamente como biológico –, composto pelos mesmos elementos, ossos, músculos, articulações, tendões, conseqüentemente a mesma atividade proposta em aula servirá para todos os alunos, causando neles os mesmos efeitos – tomados como benefícios. Isso talvez explique a tendência da Educação Física em padronizar procedimentos, tais como voltas na quadra, metragens, marcação de tempo, repetição exaustiva de gestos esportivos, coreografias rígidas, ordem unida, etc.
Pense na maneira como você entende e trabalha seus alunos. Você vê seus corpos como máquinas treináveis que deixam mente e sentimentos na sala de aula? Você percebe que o emocional se expressa através desses corpos?
É óbvio que a partir dessa concepção de corpo e de Educação Física, não havia espaço nem interesse em aspectos estéticos, expressivos ou subjetivos. A tendência era de uma ação sobre a dimensão física, passível de treinamento visando à repetição de técnicas de movimento, sejam as esportivas, de ginástica ou de atividades rítmicas. Era como se a Educação Física fosse responsável por uma intervenção sobre um corpo tido como natural e sem técnica, a fim de dar a ele padrões mínimos de funcionamento para a vida em sociedade.
Lembre do papel da escola em preparar os indivíduos para o modo de produção industrial e capitalista, que exige obediência a regras, horários, movimentos repetitivos e rígidos. A atividade física tradicional na escola é fundamental para esse treinamento? Que tipo de pessoas você está formando em suas turmas? Pessoas para a indústria ou para o pensamento e ação independentes?
Se se falava na consideração dos aspectos psicológicos individuais ou na dimensão estética dos gestos, isso era desvinculado da dimensão física, como se o corpo fosse a expressão mecânica de uma superioridade psíquica ou mental.Nessa mesma linha de raciocínio, não eram consideradas as diferenças culturais expressas pelos vários grupos e por indivíduos no interior de um mesmo grupo. Em outras palavras, a Educação Física proposta – seja nas escolas ou nos clubes e academias –, era uma só, como se as diferenças culturais não fossem responsáveis por variações de desenvolvimento motor, pelas opções por atividades físicas diferentes e mesmo por diferenças de interesse e motivação por parte dos alunos, sem falar dos significados atribuídos às práticas corporais.
O mais interessante é que esse processo ainda se mostra presente na sociedade atual quando notamos, principalmente através da mídia, a valorização no ser humano do corpo “malhado”, “sarado”, treinado exaustivamente nas academias de ginástica, novos templos de padronização de corpos, ou nas clínicas de estética ou de cirurgia plástica, que literalmente esculpem os corpos de clientes ávidos por sucesso, fama, beleza, etc. Mesmo nos clubes e nas escolas a mídia tem ditado as formas de movimento ou os padrões de corpo e os profissionais da área têm tido dificuldade em se opor a esse processo, não levando seus alunos a uma postura crítica em relação a esses mecanismos de padronização, tornando ainda a Educação Física preconceituosa e discriminatória.
Reflita sobre seu posicionamento em relação ao ideal de corpo magro e sarado. Como você trata seus alunos abaixo ou acima do peso ideal? Que tipo de idéia ou pré-conceito você faz quando se depara como aquela criança gordinha que tem preguiça de correr ou jogar? A mídia pegou você nessa armadilha?
Autores: Aldo Antonio de Azevedo ( Doutor em sociologia ), Dulce Suassuna ( Doutora em sociologia) e Jocimar Daolio ( Doutor em Educação Física )
domingo, 27 de julho de 2008
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4 comentários:
Muito bom, este artigo irá contribuir para os docentes em uma análise da Ed. Física em sua escola, como intervir o aluno na cultura corporal, através do sociocultural, como jogos, danças, esporte. Oriunda de valores, moral, ética. Como interagir nas aulas dos conteúdos de atividades expressivas, através do lúdico, para que o alunos possa ser um indivíduo como formação integral para a cidadania e ser crítico autônomo .
Muito bom, este artigo irá contribuir para os docentes em uma análise da Ed. Física em sua escola, como intervir o aluno na cultura corporal, através do sociocultural, como jogos, danças, esporte. Oriunda de valores, moral, ética. Como interagir nas aulas dos conteúdos de atividades expressivas, através do lúdico, para que o alunos possa ser um indivíduo como formação integral para a cidadania e ser crítico autônomo .
Excelente artigo, muito esclarecedor. Sou Professor de Educação Física na rede Estadual de ensino, me deparo com dificuldades todos os dias para mostrar aos alunos e,também, aos colegas professores de outras disciplinas que a Educação Física não se resume apenas a práticas esportivas, padronização de movimentos e gestos mecânicos repetitivos.Acredito que a essência de minha profissão está pautada na possibilidade de trabalhar os valores que o esporte pode produzir, tais como o valor moral/ético, a solidariedade, o respeito às regras, o chamado fair play ou jogo limpo , na prática, se traduz nesses valores. É preciso desmistificar a idéia que o alunado e outros setores da sociedade têm, de que a Educação Física não é tão importante quanto as outras disciplinas, pois a integração das disciplinas compõe o currículo formativo dos alunos, porém, também é necessário que educadores tornem as aulas de Educação Física mais atrativas, é necessário pensarmos em aulas que priviligiem os aspectos cognitivos, sociais,de interação e integração que envolvam a comunidade escolar. Falar de assuntos contemporâneos que envolvam saúde,esporte,sociedade, qualidade de vida bem como outros assuntos relacionados aos temas já descritos associados a prática esportiva, sem dúvida, irá melhorar a qualidade das aulas e agregar um maior valor à formação da nossa clientela.
Excelente artigo, muito esclarecedor. Sou Professor de Educação Física na rede Estadual de ensino, me deparo com dificuldades todos os dias para mostrar aos alunos e,também, aos colegas professores de outras disciplinas que a Educação Física não se resume apenas a práticas esportivas, padronização de movimentos e gestos mecânicos repetitivos.Acredito que a essência de minha profissão está pautada na possibilidade de trabalhar os valores que o esporte pode produzir, tais como o valor moral/ético, a solidariedade, o respeito às regras, o chamado fair play ou jogo limpo , na prática, se traduz nesses valores. É preciso desmistificar a idéia que o alunado e outros setores da sociedade têm, de que a Educação Física não é tão importante quanto as outras disciplinas, pois a integração das disciplinas compõe o currículo formativo dos alunos, porém, também é necessário que educadores tornem as aulas de Educação Física mais atrativas, é necessário pensarmos em aulas que priviligiem os aspectos cognitivos, sociais,de interação e integração que envolvam a comunidade escolar. Falar de assuntos contemporâneos que envolvam saúde,esporte,sociedade, qualidade de vida bem como outros assuntos relacionados aos temas já descritos associados a prática esportiva, sem dúvida, irá melhorar a qualidade das aulas e agregar um maior valor à formação da nossa clientela
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