sábado, 14 de junho de 2008

Estranhamento com o espetáculo esportivo para massas: mídia, individualismo e hipercompetitividade

Devemos compreender que o esporte possui componentes negativos(reprodução da mídia sem reflexão dos sujeitos) e positivos (postura dos professores/monitores como agentes de mudança).

Das manifestações esportivas capazes de influenciar a conjuntura política, certamente temos as grandes competições de esporte de rendimento, como a Copa do Mundo de Futebol, as Olimpíadas, os Jogos Pan-Americanos, etc. A simbologia da vitória é o cerne da questão. Através dela, os organizadores do marketing do esporte potencializam suas vendas; as torcidas atuam como elemento passivo diante do fenômeno do espetáculo esportivo.Nesse sentido pode-se dizer que há um estranhamento do homem em relação ao espetáculo esportivo, pois na arena da competição todos se envolvem em busca da vitória, que pode ser tanto uma vitória legítima quanto uma vitória por meios ilícitos. Tal estranhamento é reforçado pela mídia televisiva, pelas falas dos apresentadores que ora valorizam, ora destroem a imagem de atletas.
O discurso televisivo sobre o esporte pode ser verdadeiro ou mentiroso como qualquer outro discurso, mas seu elemento sedutor reside na imagem da perfeição do gesto técnico dos atletas, bastante explorado pela televisão. Recordes, finalizações, dribles e façanhas esportivas são exaltados e repetidos em montagens espetaculares.
Assim, no que se refere ao esporte, a dura realidade do País não é projetada para os milhões de brasileiros. O que assistimos são espetáculos de esporte de alto nível que se pautam pelo individualismo e hipercompetitividade não o esporte como jogo, como lazer, como educação, etc.Vaz (1999, p.100) afirma que a mídia televisiva tem como preocupação central dois “passatempos”, quando transmite, por exemplo, os Jogos Olímpicos:
• um relacionado à especulação de limites humanos como recordes, marcas e pontos;• a comparação das performances entre homens e mulheres, atribuindo ao sexo masculino o paradigma “superior”
O autor constata que nos dias atuais os processos de controle do corpo mediados pela ciência e pela tecnologia do esporte alcançam a experiência humana, tornando-a um culto a performance. Baseando-se em Theodor Adorno – para quem o esporte teria um caráter masoquista, violento, fazendo o ser obedecer e sofrer – Vaz resgata a idéia do corpo como máquina, do corpo como coisa.Assim, a sociedade esportivizada precisa treinar os corpos para o rendimento, para o espetáculo esportivo, o que significa naturalizar as experiências em laboratório com seres humanos, equiparando-os com os animais. A explicação desta trama é que os corpos, transformados em máquinas a serem dominadas, estariam sujeitos à coisificação da consciência, isto é, à mutilação da consciência, que não teria espaço para o racional, para o esclarecimento. A violência, a vingança, o ódio e o irracional tomariam conta deste corpo coisificado.


Torna-se importante destacar que tais princípios do esporte de rendimento podem se manifestar no esporte educacional, no nascimento do esporte na criança. Os professores de Educação Física conhecem tais princípios, entretanto, precisam compreendê-los melhor. O estranhamento no esporte pode ser muito forte na formação inicial das crianças, que poderia conduzi-las à passividade da mera torcida pelos colegas considerados mais “aptos”. Tais divisões e fragmentações estranham as possibilidades educacionais no esporte e precisam ser revistas pelos professores.
O individualismo e a hipercompetitividade precisam ser constantemente combatidos. São expressões máximas e esdrúxulas que se deseja negar numa sociedade efetivamente fraterna e democrática.
As manifestações da individuação (indivíduo em ação) e da competição a favor e não contra o humano devem ser incentivadas e promovidas de forma didática e educacional, garantindo-se a permanência de valores éticos no decorrer da vida.Bracht (1992), advogando princípios de uma pedagogia crítica para a área, enumera as seguintes posturas:
“Os professores de Educação Física precisam superar a visão positivista de que o movimento é predominantemente um comportamento motor. O movimento é humano, e o Homem é fundamentalmente um ser social (...) precisam superar a visão de infância que enfatiza o processo de desenvolvimento da criança como natural e não social. Fala-se da criança em si, e não de uma criança situada social e historicamente (...) devem buscar o entendimento de que, o que determinará o uso que o indivíduo fará do movimento (na forma de esporte, jogo, trabalho manual, lazer, agressão a outros e a sociedade etc.) não é determinado em última análise, pela condição física, habilidade esportiva, flexibilidade, etc., e sim pelos valores e normas de comportamento introjetados, pela condição econômica e pela posição na estrutura de classes de nossa sociedade (...) Superar a falsa polarização entre diretividade e não-diretividade (...) um outro equívoco que precisa ser superado, é o de que devemos simplesmente ignorar a cultura dominante, que nesse entendimento não serve à classe dominada” (Bracht, 1992, p. 65).
Ao superar uma série de condicionamentos pertinentes à formação tecnicista em Educação Física, os professores precisam entender que o esporte educacional e escolar deve ser o esporte da escola e não o esporte na escola.Da escola, por ser próprio de cada manifestação individual e coletiva, por ser próprio de cada localidade e principalmente, por carregar a perspectiva da autonomia. Não deve ser um esporte na escola, isto é, um esporte de rendimento, olímpico e de treinamento, injetado na escola por determinação de uma dada cultura dominante, televisiva e mercadológica.As interfaces entre o esporte na escola e o esporte da escola tornam se visíveis na medida em que o esporte puder ser democratizado, isto é, ensinado a todos. Reafirma-se a idéia de que não há por que ser contra o esporte de rendimento, afinal ele tem um porquê e um para quê, além do para quem de sua existência.Assim, as divisões entre Educação Física escolar e não-escolar contribuem para uma visualização da cultura corporal de forma ampla, complexa e dialética. Todas as manifestações dos jogos, das brincadeiras, do esporte, da dança, das lutas, da capoeira e de inúmeras formas de movimentar-se estão presentes nestas duas subáreas. Ocorre que as mudanças neoliberais da década de 1990 imputaram à educação formal um sentido restrito à Educação Física. Soma-se a isso o abandono e o sucateamento dos espaços públicos, dos equipamentos e da qualidade profissional que não pode ser imposta por um simples registro, mas deve ser formulada e articulada historicamente.

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